No início do século, em Jacareí, as trevas dominavam as noites sem luar.
O Rio Paraiba cortava a cidade ao meio, empregando balsas e canoas para a sua travessia.
Era noite de festa na roça, na casa do pai de dona Zulmira, ali no bairro do São João. Tinha sanfoneiro, tinha fogueira, tinha arrasta pé. Os amigos reunidos comemoravam o dia do santo. E, foi dona Zulmira quem me contou essa história, que procurei reproduzir igualzinha para vocês. O fato aconteceu em 1917:
“Menina, vá buscar água no rio, a mãe gritou lá de dentro, e eu, mais a tia Servina, a Petronilha Carneiro e dois tios meus, o João Fraudino e o João Costa, junto com os cachorros, fomos pra beira do rio, apanhar água nos baldes. A noite era de luar, e, coisa esquisita, os cães estavam agitados, os pelos arrepiados, seguiam em bando. De repente, pararam e começaram a latir para a outra margem, de onde veio um grito:
”Ói que agora eu vou!” “Ói que eu vou!”
“Quem vem lá?” Gritou dona Zulmira, que era muito corajosa, mas, obteve a mesma resposta:
“Ói que lá vou eu!”
“Achando que era algum convidado para a festa, eu gritei de volta:
“Pois vem logo, que a dança já está animada!”
“Nisso, um vulto começou a se formar em meio à neblina, e foi crescendo, crescendo, e os cachorros uivando, e nóis tudo arrepiado…”
“Só sei dizer que a gente largo os baldes ali mesmo e vortemo pro terreiro em desabada correria, e atrás de nóis o barulho dos cascos: ploct! ploct! ploct! e um baita dum homão montado num baita dum cavalão soltando fogo pelas ventas e alumiando os cascos.”
“O povo que estava na festa, todo mundo se alevantaram assustado, enquanto o cavaleiro deu três voltas pelo terreiro, gritando “Oi que eu lá vou! Oi que lá vou eu”! E voltou pra beira do rio de onde tinha aparecido.”
“Bom…nem é preciso dizer que ninguém teve ânimo pra cantoria naquela noite, pois o assunto das rodas era a tar da alma penada que veio pra festa, mas, graças à São João, não ficou na volta da fogueira. Lá pelas tantas, alguns convidados que vieram do lado de lá do rio, precisaram voltar pra casa. E o medão de chegar na beira da água e encontrar o tar lá, à espreita, no meio do mato?”
“Então, juntaram uma turma e foram tudo de montinho…”
“Chegando perto dos mourão onde se amarrava as canoa, não tinha nenhuma por ali, então, como de costume, gritaram alto pro barqueiro ouvir do outro lado, e vir busca eles.”https://lendas-da-paraiba.noradar.com/wp-admin/post-new.php#category-add
“Oi! Passage!” “E nada de ver qualquer movimento…”
“Oi! Passage!”
“Na terceira vez que gritaram, começou a aparecer um barco no meio da neblina do rio, e dentro, o tar do cavalo, remando…”
“Virge Santa! Ele de novo? Não! A turma se virou pra vortá lá pro terreiro, mas tinha um compadre metido a valente que resolveu enfrentar o “coisa ruim”
“Ô Seu Coisa Ruim, desse dessa conoa se for homem!”…e foi um VUPT só… o Alma Penada veio por cima dágua, correndo e gritando , mal deu tempo deles tudo correr de vorta pra casa! Mas o coisa ruim não entrou não, porque a mãe tinha uma cruz feita de espada de São Jorge presa do lado de fora da porta, que espanta esses mar espirito. Pra encurtá a conversa, depois, o pai ficou sabendo, que aquele espírito era de um tar que morreu afogado nas águas do rio, que não teve um enterro cristão, e nas noites que sua alma penada aparecia feito um barqueiro, quem ia atravessá o rio tinha que chama ele pelo nome que ele tinha em vida, pra mostra que sabia quem era ele, e que não tinha medo. Daí atravessava o rio em paz.”
(relato de Dona Zulmira de Almeida)