Lenda da Galega do Queixão

O Professor Givaldo me relatou como coisa verdadeira que em uma de suas viagens de Campina Grande para a cidade de Patos, viu um mal assombro terrível, algo que jamais vai esquecer. A todo momento da narrativa, ele se mostrava arrepiado e em dado momento seus olhos brilharam refletindo lágrima que minou de seus íntimos sentimentos. Homem vivido e de uma conduta ilibada não merece descrédito, até porque conforme acentua o folclorista Câmara Cascudo em seu clássico Dicionário do Folclore Brasileiro, a popularidade dos entes fantásticos credencia sua legitimidade. Mas como ocorreu essa aparição?

Em uma viagem corriqueira no fim da tarde de uma sexta-feira, o Professor seguiu pela BR 230 motivado pela ansiedade de ver sua família. Parou somente em Soledade para tomar um cafezinho e ao passar pela zona urbana de Juazeirinho, percebeu o despedir dos últimos raios solares de forma que o Junco do Seridó, quilômetros à frente, já era um amontoado homogêneo de lúmens espalhados à esquerda da rodagem. Mais alguns minutos e a sinalização aponta a atenção que se deve ter para a brutal descida da temida Serra de Santa Luzia, uma estrada que segue o conjunto de escarpas assimétricas que nada mais é que a abrupta descida do Planalto da Borborema para o pediplano sertanejo. São oito quilômetros de curvas sinuosas que desafiam a habilidade de quem se aventura a passar por ali. Na segunda curva, o farol alumiou uma parede de pedra e nela uma figura feminina vestindo branco e de pés descalços. Após acionar a frenagem, Givaldo coçou os olhos como a não acreditar e a pessoa subitamente desapareceu.

Aquele início de noite sertaneja estava quente e ele mantinha os vidros baixos. A partir dali, a cada curva que se seguia o vento cortava o interior do veículo como um uivo. Arrepiado que estava, cerrou as janelas. Após a última curva e, enfim, a continuidade da rodovia, ele ouve uns estalos no lado direito do veículo, como se fosse um problema no pneu. Já avistando as luzes de Santa Luzia, para no acostamento e vai verificar. Após não perceber nada de errado, retorna ao seu lugar e segue viagem, é quando percebe a presença de alguém que não estava no interior da caminhonete, era uma mulher de branco, cabelo grande, estirado e “agalegado” e um queixo proeminente. Ela o encarou, ele não conseguiu ter ação alguma, continuou a dirigir e quando olhou “de rabo de olho”, ela havia sumido. O Professor se benzeu três vezes e acelerou. Assombrado, queria encurtar em tempo sua viagem. Passou por Santa Luzia, a entrada de São Mamede e depois da Polícia Rodoviária viu um buraco e freou de maneira mais acintosa, momento que ouviu uma voz: “foi assim que morri…”.

Depois desse relato, busquei saber mais sobre essa assombração e recolhi algumas histórias semelhantes sempre se referindo a uma (mulher) galega nova de branco e cabelo longo e do queixão sempre tentando uma maneira de chamar a atenção de motoristas, aparecendo frequentemente no banco do carona. As vezes aparece na via, fazendo o automóvel parar. Ora como assombração, ora com outras insinuações como a encantar o motorista com seus belos cabelos para leva-lo ao abismo. Esse comportamento um tanto lascivo talvez explique os cabelos longos e soltos, já que conforme nos ensina Câmara Cascudo, nenhuma dama casada no sertão até a primeira década do séc. XX tinha o atrevimento de mostrar-se com a cabeleira em liberdade. O cabelo preso era sinal de dominação natural ao marido na simbologia jurídica, herança ibérica presente em vários mitos e lendas espalhados pelo país.

A alma como substância autônoma ou quase autônoma do corpo, existe por todos os lugares, mas a Galega do Queixão vem a ser uma espécie de ‘alma penada’ endêmica dessa ecologia. Mais um mito local, como conceitua o folclorista maior. Devo ao amigo Luiz Carlos a única informação um pouco mais distante se referindo a uma galega que assombrou motoristas na estrada entre Sousa e São Francisco, embora as cidades também estejam no sertão paraibano.

No afã de explicar essa visagem do outro mundo, é comum a caminhoneiros ­– que tomam assento nos restaurantes das margens da BR em Santa Luzia ­– atribuir a aparição a alma de alguém que morreu naquelas paragens e precisa ser liberta do purgatório. Os mais religiosos fazem aquele percurso rezando fervorosamente e, assim como outras lendas, são usadas por adultos para aquietar crianças teimosas que dão trabalho naquele trecho de viagem, garantindo o sossego momentâneo e a perpetuação da lenda.

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